mercredi, août 31

Savoir Faire (Parte I)

E foi embora assim como veio.

Esperava há tempos por uma oportunidade de se mostrar novamente. De mostrar que poderia fazer a diferença na vida de alguém. Durante muito tempo tentou provar a si mesmo que poderia passar por cima de tudo que havia passado e seria feliz de qualquer maneira. Mas a felicidade vem à duras penas e só aparece na hora em que tem que aparecer. Felicidade também é uma coisa fatídica, e dessa vez não foi diferente.

Depois de passar mais um dia longo de trabalho, onde minutos pareciam horas inteiras e os problemas não deixavam de surgir do teto, do chão, dos telefones, das mãos de alguém ou mesmo de um simples abrir de portas de um elevador, parecia que o descanso era garantido.

Mas é justamente nessas horas em que a solidão aguda bate. Quando você percebe que depois de cumprir todo um ritual, não há com quem dividir o seu dia. E essa solidão parece interminável. Curá-la deixa de ser apenas uma alternativa e passa a ser um meio de vida. E é nessas horas que até os grandes gênios podem cometer a mais estúpida atrocidade inconsciente.

Chegou em casa com a mesma leveza que fazia todos os dias. Foi direto ao banheiro, lavou o rosto, as mãos, e aproveitou para verificar o que o dia havia causado de estragos em seu rosto. Todo dia deixa uma marca, seja ela qual for, e com ele não era diferente. E assim o fez: verificou cada centímetro do seu rosto e sorriu aliviado por parecer somente cansado. A água fria já havia levado embora o que havia de imperfeito e o que havia ficado era apenas ele mesmo. Isso já era uma vitória.

Foi até seu quarto, atravessando o grande corredor, desviando do cadarço do sapato, que estava solto há algum tempo, por pura falta de afeição a ele. Verificou se tudo o que havia lá quando saíra pela manhã continuava no mesmo lugar, e, por ser uma criatura solitária, obviamente tudo estava exatamente da mesma maneira. Todos os dias, da mesma maneira. A vida era mais segura assim. Mas excesso de segurança causa ataques de insegurança, e voltou alguns passos para se olhar novamente no espelho e refletir sobre si próprio vendo seu reflexo no espelho.

Preciso viajar um pouco, pensou consigo. Mas isso não seria possível a curto prazo, então logo substituiu essa idéia por outra. Por outras tantas, na verdade, para que a vida ficasse mais suave por alguns momentos. Suavidade é necessário nesses momentos. Uma pessoa que visualiza a vida com brutalidade não sabe reparar devidamente em algumas sutilezas. E sutilezas estão por toda parte e são absurdamente necessárias para que o mundo continue girando e seguindo seu ritmo.

Voltou para o quarto, acendeu um incenso para perfumar o ar. Colocou um CD antigo e se perdeu na primeira música, longe... Apagou a luz, acendeu uma luminária e resolveu se livrar dos sapatos para não ter mais que desviar do cadarço abandonado. Fez isso sentado na cama, e fez com calma. Naquele momento, o simples fato de tirar os sapatos passou a ser um ritual de liberdade. Tirou as meias com calma, admirando os pelos que ficaram marcados por elas, e admirou por alguns segundos seus pés.

Levantou-se da cama e olhou para o velho despertador. Era importante para ele saber o tempo. Tempo era sinônimo de mais segurança, então. Ele poderia planejar assim, seu próximo momento, seu próximo grande momento, ou simplesmente se abandonar ao movimento do tempo. Este, que por sua vez, nunca para.

Havia tempo suficiente para o próximo momento.

Abandonou o quarto, desceu pelas escadas e deu uma breve olhada em volta. O espaço era conhecido, e constante. O único movimento era do ar que saia e entrava em seus pulmões ao se locomover pela casa. E isso lhe bastou para ter um arroubo. Respirar é perigoso algumas vezes. Respirar permite que se cometam as mais tristes loucuras, e assim ele o fez.

Na vida, o que realmente conta é o limiar entre a sanidade e a loucura. Ao longo dela, todos trafegamos entre a loucura e a sanidade constantemente e muitas vezes essa diferença não fica clara. Pode-se ser insano em um momento de profunda clareza ou sagaz em um momento de pura loucura. Nessa batalha constante, a consciência é o divisor de águas.

Aproveitando cada nova inalada de ar, atravessou a sala e lançou mão ao telefone. Ele já estava tocando pela terceira vez.

Do outro lado da linha, a possibilidade.

(continua)

mardi, août 23

La Question













je ne sais pas qui tu peux être
je ne sais pas qui tu espères
je cherche toujours à te connaître
et ton silence trouble mon silence

je ne sais pas d'où vient le mensonge
est-ce de ta voix qui se tait
les mondes où malgré moi je plonge
sont comme un tunnel qui m'effraie

de ta distance à la mienne
on se perd bien trop souvent
et chercher à te comprendre
c'est courir après le vent

je ne sais pas pourquoi je reste
dans une mer où je me noie
je ne sais pas pourquoi je reste
dans un air qui m'étouffera

tu es le sang de ma blessure
tu es le feu de ma brûlure
tu es ma question sans réponse
mon cri muet et mon silence

1971 (Paroles: Françoise Hardy, Musique: Tuca)